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abril 21, 2024

CONDENADO A MATAR


 CONTO

CONDENADO A MATAR

 

“Essa história é uma ode macabra às pessoas que passaram por esse mundo sem deixar rastros”

 

Ofegante, o soldado respirava fundo sentado no topo do rochedo que se elevava em meio ao denso arvoredo. Olhava para o horizonte apertando um caderno contra o peito.

Cobrindo os tons azuis e róseos, a mancha plúmbea que se espalhava no céu anunciava a chuvarada. Era um espetáculo indizível de cores e sombras que clamava por olhos que admirassem sua beleza. E lá estavam os olhos do soldado se enchendo de um encanto assombroso.

A natureza era mãe e filha de si mesma e de onde vinham todas as coisas. Naquele lugar as fontes de água iniciavam sua longa jornada em direção ao mar elando uma cadeia inquebrantável de vida, alimentando a terra de todas as cores, de perfumes acres, doces e cheiro de verdades; terra lisa, apedregulhada, florida, seca, úmida, torrões e grandes áreas cobertas de verde. Terra por onde se pode caminhar a vida toda sem encontrar seu fim. Ali havia espaço para o mundo todo dançar com a musicalidade do canto dos pássaros, o estalido do pular dos anfíbios, o murmúrio das correntezas e o assobio do vento. Ali estava enraizada a vida do soldado que, já florescida, trazia-lhe frutos como numa profusa colheita de reminiscências.

A voz da mãe era a primeira coisa que se lembrava de ouvir na vida. Soava-lhe uma doce cantiga quando ela lhe falava de poemas ensinando-lhe a desenhar as letras e a compreender o sentido das palavras. Aquela mulher simples, cujo olhar sofredor denunciava as trincas do coração partido pelas intempéries da vida, fora capaz de suportar a humilhação do abandono, o desprezo da família, a fome do corpo e todas as dores da alma para proteger o filho dos horrores deste mundo e vê-lo crescer digno da vida que ela lhe dera. Por isso, ela mantinha firmes os pés no chão sem nunca se sujeitar ao arbítrio da sorte.

A mãe o viu crescer lendo para ele os mais belos poemas já produzidos pela ânsia inquieta dos amantes da humanidade. Desde muito cedo o filho sabia dizer os versos da “alma minha gentil que te partiste” e tão cedo amou quem os escreveu que jamais ousou imaginar partir desta vida descontente.

A chuva começou a cair em pingos esparsos trazendo recordações dos primeiros versos escritos pelo soldado. Ainda que bastante esdrúxulos, eram a expressão do mais que perfeito presente que podia oferecer à mãe. Uma interpretação pueril da natureza que a colocava no centro de todo o esplendor daquela paisagem. Foi com as mais belas palavras que os dois alimentaram  suas almas até que o filho fosse levado pelos homens do Exército Regional. Eram homens desconhecidos, estranhos àquele lugar e nunca se podia prever quando eles estariam por perto. Chegavam em grupos armados e não hesitavam em deter qualquer um que se encontrasse fora do local de trabalho ou longe de casa. Em qualquer lugar da cidade, qualquer morador podia ser levado por eles apenas por suspeita de descaminho. Ninguém sabia o que acontecia aos detidos. Nenhum deles jamais havia regressado ao vilarejo para contar.

Os sentimentos do soldado iam variando conforme ele avançava para o presente. Seu coração acelerou lembrando-se do momento em que fora detido. Voltava do seu santuário herbáceo para onde fugia para ver o pôr do sol depois do trabalho quando avistou o comboio de carros fortes seguindo pela estrada que ele tinha de atravessar para tomar o caminho de casa. Escondeu-se atrás de uma árvore ficando imóvel, hirto, tentando controlar a respiração ofegante. Um tremor percorreu-lhe a espinha dorsal ao ouvir o agitar do mato e aquele som reverberava nos seus ouvidos cada vez mais alto. Estava com os olhos fechados, em pânico, quando um guarda agarrou seu braço e puxou-o violentamente para frente dele forçando-o a encará-lo. O olhar do homem fardado era frio e odioso e suas mãos tão grandes e duras como sua cabeça apertada sob um capacete. Acusou-o de descaminho. Com um  gesto  brusco, o guarda o empurrou para que ele começasse a caminhar desajeitadamente, desequilibrando-se nos primeiros passos, até o carro forte.

No interior do veículo havia mais cinco jovens que poderiam ter em torno de dezesseis, dezessete anos, idade dele na época. Havia apenas uma menina entre eles. Era delicada e parecia frágil como um copo de cristal. Podia-se imaginar que ela se partiria em pedaços com qualquer choque brusco. O cabelo louro e liso estendia-se ao meio das costas como um manto protetor. As lágrimas faziam brilhar seus grandes olhos castanhos.

Fazia já alguns minutos que o carro forte havia partido quando um dos rapazes, o gordinho de sardas no nariz, falou:

— Eu sempre quis saber para onde levavam as pessoas daqui. Vocês não ficavam curiosos?

Ninguém respondeu. Todos se mantinham tensos, com expressões assustadas evidenciando que nenhuma curiosidade podia suplantar o terror do destino desconhecido. Contudo, depois de horas no balanço do veículo, nenhum deles conseguiu resistir ao sono e todos acabaram por dormir como puderam se arranjar.   

Amanhecia quando o carro forte descarregou os seis jovens no pavilhão da triagem na fortaleza do Exército Regional.

O instrutor geral tratou de organizá-los em fila para dar a cada um deles um número de identificação. Em seguida os jovens foram encaminhados para um dos compartimentos internos do pavilhão seguindo então a fila para os banheiros para depois irem para a sala de banho. Todos recebiam roupas que lhes eram dadas por um senhor trajando um uniforme de tecido grosseiro cor de laranja, pouco diferente daqueles que ele distribuía. Depois foram conduzidos pelo instrutor por um longo corredor que os levou ao pavilhão do lado oposto de onde estavam. Lá havia em toda extensão da parede do fundo, dezenas de celas geminadas, com três camas sobrepostas de cada lado, quase todas lotadas com cinco ou seis ocupantes.

Diante da porta da cela aberta por um carcereiro para que os seis jovens entrassem, a menina fez um protesto dizendo que não podia ficar presa numa cela com cinco rapazes.

— Vou lhe mostrar que pode — disse o carcereiro fazendo um gesto com a mão. — Primeiro as damas.

A menina arregalou os olhos e tentou balbuciar algo, mas foi empurrada com brutalidade para o interior da cela que foi trancada pelo carcereiro depois que os cinco rapazes entraram.

Durante longos minutos os jovens ficaram em silêncio ouvindo apenas os rumores que ecoavam das outras celas e de instante em instante um grito desesperado que parecia vir do além.

Todos olhavam para a menina loura quando a viram estremecer com a voz aguda do menino sardento.

— Eu estou morrendo de fome. Vocês não?

Naquele momento o carcereiro reapareceu acompanhado de um instrutor. O homem abriu a porta da cela e ordenou:

— Venham, rapazes. Hora do despertar!

A menina se levantou para acompanhar os meninos, mas foi impedida de continuar a segui-los pela mão do carcereiro que lhe disse que ela não precisava ir para o treinamento inicial. O instrutor a levaria para um lugar melhor.  

A sala de treinamento era um amplo salão vazio. Os cinco rapazes juntaram-se a mais dezoito jovens e todos aguardavam em silêncio não sabiam o quê.

Um instrutor entrou por fim, vestindo um uniforme verde escuro e enfeites dourados acompanhado de dois soldados armados e um homem com um jaleco branco empurrando uma mesinha sobre a qual estava uma máquina cheia de botões.

Os jovens receberam ordens para ficar nus, formarem três filas sendo que a primeira ficaria ao longo de uma parede e as outras imediatamente à frente. Depois os mandaram virarem para a parede, ajoelharem-se, dobrar o torso e apoiar os cotovelos no chão mantendo as mãos cruzadas na nuca.

O instrutor uniformizado perguntou ao primeiro da fila se ele tinha descumprido o regulamento de segurança da sua cidade. O garoto respondeu que não sabia com uma voz baixa e trêmula, soltando as mãos e movendo a cabeça tentando uma olhada de esguelha para o instrutor.

— Responda sim senhor em voz alta e nem pense em olhar para mim — tornou o instrutor.

— Sim senhor! — gritou o menino retomando sua posição anterior.

Ao sinal do instrutor, o homem de jaleco branco aproximou-se com um pequeno instrumento na mão e o encostou à cavidade das nádegas do garoto que imediatamente reagiu ao choque com um grito e caiu se contorcendo no chão.

Os soldados agarram-no pelos braços e o arrastaram para o outro lado do salão deixando-o sentado, encostado à parede, para que ele pudesse assistir ao choque do despertar que se sucederia a um por um dos jovens enfileirados.

Com o término da iniciação que manteria os jovens despertos e terrivelmente obsequiosos para o resto de suas vidas, todos se vestiram e seguiram em fila para o refeitório, ainda completamente aturdidos.

Às mesas longas e estreitas do imenso salão sentavam-se centenas de jovens, de todas as idades, vestindo calças e camisas iguais, que davam um brilho alaranjado ao ambiente tornado sóbrio pelo azul encardido das paredes. 

— Onde está a menina loura? — perguntou de uma voz mole o rapazinho sardento.

— Luciana — disse um homem com ar misterioso ao lado dele. — É o nome da princesinha loura. Ela está tomando café com o comandante-chefe.

 Em seguida, o homem de olhar misterioso esboçou um sorriso enigmático que os garotos mal perceberam.

Logo depois do toque de uma sirene todos se mobilizaram para iniciar a limpeza do refeitório. Ao final, a maioria desapareceu do local para realizar outras tarefas já determinadas para uns e para outros. Os novatos seguiram para o pavilhão de instruções.

O instrutor, com as mãos para trás e dando alguns passos para um lado e para outro, parou subitamente diante dos jovens enfileirados lado a lado e estufando o peito começou a falar:

— Vocês sabem por que estão aqui? — houve murmúrio entre os detentos e o instrutor ordenou silêncio para continuar: — Vocês estão aqui porque foram trazidos até mim pela providência divina. Suas mães fizeram de vocês uns fracos, desobedientes e vagabundos, mas aqui, é o Deus dos Exércitos quem está no comando. E ele não é mãe, é pai. É o Senhor dos Exércitos que me inspira a instruí-los na luta contra o inimigo que desafia seu poder e a força da sua espada justiceira. E o Senhor dos Exércitos é um pai que não perdoa a fraqueza dos filhos. Um pai que vai fazer de vocês, homens fortes capazes de impor a vontade dele a todos os inimigos da ordem e da justiça. E é a ele, somente a ele que vocês devem servir no combate incessante contra o inimigo que quer torná-los fracos, sonhadores e inúteis à sociedade. Por isso foram despertados e agora estão prontos para começarem a se edificar como verdadeiros soldados do Senhor dos Exércitos. Será um longo treinamento e vocês terão desafios pela frente. E para construírem seus futuros devem esquecer tudo que se refere ao passado. Aqui não existe passado. Não falem do passado! Vocês serão testados permanentemente e qualquer deslize, por menor que vocês possam considerá-lo, será imediatamente punido. O Senhor dos Exércitos sabe punir com rigor o crime de desobediência. Portanto, quanto mais cedo vocês aprenderem a se comportar de acordo com as regras desta fortaleza, mais cedo haverão de se tornar fiéis soldados do Senhor dos Exércitos. Entendido? Respondam: Sim senhor.

“Sim Senhor”! Todos responderam.

— Agora repitam comigo: O Senhor Deus está no comando!

— O Senhor Deus está no comando!

— Morte ao inimigo!

— Morte ao inimigo!

Na mente do soldado que abraçava desesperadamente o caderno abrigando-a da chuva, veio-lhe a imagem de Venâncio e seu olhar misterioso. O homem devia ter uns trinta e poucos anos e mantinha um leve sorriso enigmático

— Como se chama? — perguntou-lhe o homem sentando-se no lugar a lado dele.

— ABD3451.

— Eu perguntei seu nome.

— Não posso dizer, senhor — respondeu o soldado.

— Pra mim você pode.

Um brilho de admiração surgiu no olhar do soldado e um grande alivio alentou seu peito. Confiante, respondeu:

— Yuká.

— Um pequeno Juca — disse Venâncio apertando os lábios. — Nascido entre os sabiás.  

O constrangimento de Yuká se expressou com a leve contração dos seus olhos. Sua mãe lhe ensinara a se orgulhar da terra que tem primores e sozinho ali, à noite, mais prazer encontrava lá. Yuká se entristeceu sentindo a pequenez tomar seu espírito de selvagem. Tinha muito a aprender para ser grande e forte como um soldado do Senhor dos Exércitos.

Venâncio ficou em silêncio observando distraidamente o menino sardento se aproximar, já reclamando de fome.

— Você acabou de almoçar — lembrou-lhe o homem caso o garoto tivesse levado muito a sério a história de se esquecer do passado. Depois se virou para Yuká e confidenciou: — O gordinho só pensa em comida.

— Ninguém pode saber o que os outros pensam — Yuká falou hesitante.

— Bem pensado — disse Venâncio com seu ar seguro.

— Então o instrutor mentiu.

— O instrutor não disse que pode saber o que você pensa.

— Então por que ele disse que posso ser punido pelo que penso?

— Para ter um motivo para lhe punir quando ele quiser.

— Isso não é justo!

— O mundo não é justo. Seu pai não lhe ensinou isso?

— Não conheci meu pai.

— Bom! — exclamou Venâncio. — Agora você conhece um pai. O Pai de todos nós. O Senhor dos Exércitos. Ele sabe punir seus inimigos.

— O que quer dizer?

— Falo dos homens que abandonam suas mulheres antes dos filhos nascerem.

Perplexo com aquela sutil insinuação, Yuká mal podia balbuciar as palavras que, como espadas, digladiavam-se na sua mente e pareciam lhe ferir o cérebro com suas lâminas afiadas. A única coisa que ele sabia sobre seu pai era que o homem desaparecera antes de ele nascer. Sua história revelaria que seu pai abandonara sua mãe com o vestido cada dia mais curto?

— Do que o senhor está falando?

— Conheço os homens que abandonam seus filhos nas mãos das mães que não sabem edificá-los para combater o inimigo.

— Que inimigo? — perguntou o rapaz desconfiado diante daquele estranho que pretendia saber dele mais do que ele mesmo. 

— Entre os que você conheceu, está o nosso maior inimigo. Ele se chama Antonio Gonçalves Dias, apelidado Poeta, por motivos óbvios.

— O Poeta! Inimigo? Quem lhe disse isso?

— Sei tudo a respeito do Poeta. Ele é um inimigo perigoso.

— Por quê?

— Pense, rapaz! Ele é o grande inimigo do verdadeiro pai de todos: o Senhor Deus dos Exércitos.

Tudo que a mãe de Yuká lhe ensinara sobre a verdade como escudo para resistir ao mal se esgarçava então no tecido que trançava linha por linha o véu da poesia que cobria seu corpo. Por que ela nunca falara a verdade sobre o Poeta? Por que nunca lhe falara sobre o Senhor Deus dos Exércitos?

À tarde os detentos formaram um círculo um tanto irregular no pátio para assistirem às aulas de defesa pessoal e contra-ataque. Durante três horas de aulas técnicas e treinamento de golpes, os detentos quase podiam se divertir. Após a ducha fria era hora do jantar e assim que terminassem a limpeza do refeitório, voltariam para suas celas.

Luciana estava lá quando os novatos chegaram. Jazia encolhida sobre a cama de baixo do lado esquerdo com a face voltada para a parede, imóvel. Mal se percebia sua respiração fraca. Nenhum dos rapazes ousou fazer-lhe perguntas. Pareciam não se importar, mais para mascarar o medo do que para se mostrarem fortes.

Yuká se recostou à parede que fazia a cabeceira da sua cama do alto e ficou pensativo. Tinha o espírito abatido por um angustioso e secreto desassossego. Começou a deduzir que tudo o que lhe fazia bem, na verdade, não o edificava, mas o enfraquecia.  Os pensamentos de Yuká se agitaram e sobreveio-lhe uma impetuosa inquietação. Sentiu sua respiração ofegar e seu coração disparar em descompassados batimentos. Tudo que lhe restava a fazer daquele momento em diante era se fortalecer. Ele já conhecia seu inimigo. O grande Poeta. Agora sabia contra quem devia lutar.

De madrugada, a porta da cela foi aberta com a chave e o rangido acordou os meninos sobressaltados. Três homens entraram na cela. Vestiam uniformes laranjas, mas um deles, que era franzino, estava armado. O grandalhão careca arrancou Luciana da cama com um movimento certeiro e brusco enquanto o outro arriava as calças protegido pelo franzino que apontava a arma para os novatos. Luciana gritava e o grandalhão lhe batia no rosto. Cada um dos três, por sua vez, fazia coisas com a menina jamais imaginada pelos novatos que permaneciam imóveis, estarrecidos, assistindo àquela demonstração de poder como exemplo bem acabado do tratamento que devia ser dado aos fracos.

Num dado momento, Luciana já sem forças para gritar apenas soltava gemidos quase inaudíveis. Foi quando soluços angustiados soaram mais altos. O menino sardento tremia debulhando-se em lágrimas. Contudo, seu desespero o fez reagir impulsivamente quando o grandalhão careca olhou para ele:

— Eu vou... — gaguejou. — Eu vou contar o que vocês fizeram...

O homem sorriu, deu alguns passos se aproximando do menino sardento e disse com um grave sotaque sulista.

— Gracinha! Estás passando mal? Vamos! Eu te levo para a enfermaria. Tu vais ver o que te espera!

O dia seguinte amanheceu sem mostrar qualquer indignação com a desgraça de Luciana. O sol brilhava aquecendo o ânimo dos instrutores, que já se mostravam bem dispostos para mais um dia de treinamento.

— O Senhor Deus está no comando!

— O Senhor Deus está no comando!

— Morte ao inimigo!

— Morte ao inimigo!

Yuká tinha um ar preocupado quando disse a Venâncio:

— O garoto sardento ainda não apareceu. Parece que não saiu da enfermaria.

— Ele passou mal?

Na dúvida, Yuká decidiu não revelar detalhes do que acontecera:

— Teve um ataque nervoso.

— Deve ter sido fome — supôs Venâncio com um riso estranho.

Durante o treinamento Yuká se destacou pela precisão de seus movimentos e pela agudeza de sua percepção. Nem ele saberia dizer de onde vinha sua disposição e seu empenho para se tornar um homem forte; um bom soldado para o Senhor dos Exércitos.

No refeitório, o ambiente mórbido não estimulava o apetite, mas o menino sardento sempre tinha fome. No entanto, ele não estava lá. Mas seu passado estava. Seu choro de agonia pela brutalidade que sofreu Luciana afastavam de Yuká a quietude da alma que transformava os sentimentos em poemas durante as refeições. Mesmo porque o silêncio não existia ali. Em qualquer lugar em que se estivesse dentro da fortaleza, era possível ouvir os gritos dos detentos que estavam sendo disciplinados. Gritos de horror e desespero que retumbavam perenemente entre as paredes eloquentes da fortaleza.

Uma pequena aglomeração se formou no corredor e o murmúrio chegou aos ouvido de Yuká acompanhado de Venâncio. Ao se aproximar da entrada do refeitório procurou por Yuká. Foi encontrá-lo ainda sentado à mesa, sozinho, parecendo ter os pensamentos distantes. Cutucou-o e perguntou se sentando no banco da frente.

— Mergulhado no passado? 

— O que aconteceu?

— Estão levando a menina.

— Luciana? Para onde vão levá-la? — perguntou Yuká que não vira como ela estava sendo levada.

— Para o cemitério, creio eu.

— Por quê? Por quê? Aquela menina não merecia...

— O Senhor visita a iniquidade dos pais nos filhos até à terceira e quarta geração. — explicu Venâncio. — Luciana pagou com a vida o erro de seu pai. Ele é um dos integrantes do grupo Contra Sevandija, portanto, um inimigo do Senhor Deus dos Exércitos.

— Contra Sevandija? O que isso quer dizer?

— Sevandija é aquela pessoa que explora outra; quem vive à custa dos outros. É assim que os trabalhadores chamam os latifundiários. Por isso demos o nome de contra Sevandija aos arruaceiros que se dizem vítimas da opressão dos patrões.

— Minha mãe dizia que os trabalhadores não eram oprimidos pelos patrões, mas sim pela polícia local a serviço dos patrões.

— Não relembre o passado.

— Mas o senhor está falando do passado.

— Não. Eu falo do presente. Falo do inimigo que está presente e nesse momento trama contra o Senhor Deus dos Exércitos. E seu nome é Poeta.

Depois da limpeza no refeitório, Yuká seguia para sua cela quando um de seus companheiros o abordou. Era um rapazinho mulato, magro, comprido e gravemente estrábico. No seu blusão laranja estava gravado WLM3542.

— Você soube da menina loura?

— Soube.

— Acho que eles nem vão avisar a família. Eu conheci o pai dela. Ele é do grupo dos Contra Sevandija — disse o rapaz descuidando-se dos conselhos do instrutor para esquecer-se do passado.

Yuká o olhou surpreso.

— Você conheceu o Poeta?

— Só de cumprimentar. Mas eu sei que ele não é boa coisa não.

— Ele é o líder do grupo, não é isso?

— Nada disso! De certa forma, o Poeta controla os movimentos do grupo. Ele abandonou a mulher e o filho para se casar com a filha de um rico fazendeiro, e assim se tornou um homem poderoso na região. É uma espécie de capitão do mato dos latifundiários. É um falso líder. Enquanto o Poeta mantém as mentes dos trabalhadores ocupadas com promessas de melhores condições de trabalho, eles não pensam em revindicar melhores salários. Na verdade, os contra senvandija o detestam. Achei que você soubesse disso.

Yuká ficou confuso. Se o grande Poeta protegia os latifundiários enganando os trabalhadores, por que seria um aliado dos contra Sevandija? E se não estava do lado dos trabalhadores arruaceiros, por que seria um inimigo do Senhor Deus dos Exércitos?

Os dois rapazes entraram na cela e encontraram os dois outros sentados na mesma cama, braços sobre as coxas com ares intrigados e visivelmente afetados pelo cheio nauseante do ar.

— O que foi? — perguntou o estrábico WLM3542. — Viram algum fantasma?

Um dos meninos apontou para a cama de cima do outro lado. Havia um balde enorme em cima dela. Dali de baixo, não dava para ver se tinha alguma coisa dentro.

WLM3542, que era o mais alto, esticou os braços e apanhou o balde. Não com tanta facilidade. Parecia estar pesado. Quando o trouxe à altura do seu peito, olhou dentro e deixou-o cair com uma expressão estarrecedora.

O balde bateu o fundo no chão e equilibrou-se de modo que todos puderam ver o que tinha dentro. Era uma cabeça humana, gordinha, cujo nariz era coberto de sardas.

Um dos meninos que se levantara levou as duas mãos ao rosto cobrindo os olhos enquanto o outro levantou a cabeça e soltou um urro tão alto e tão longo que não tardou a aparecer um carcereiro perguntando o que estava acontecendo.

Com os olhos arregalados, em notável estado de choque, WLM3542 apontou para o balde. O carcereiro abriu a porta e depois de olhar a cabeça dentro do balde perguntou:

— Quem fez isso? — em seguida voltou-se para um dos meninos e ordenou: — Pare de berrar!

Yuká precipitou-se em responder já que foi o único que conseguiu falar.

— Não sabemos.

— Foi um de vocês — afirmou o carcereiro. — Ou dois... Ou todos juntos.

— Impossível! — disse Venâncio aparecendo do nada por trás do carcereiro como um herói de história em quadrinhos para salvar os garotos. — Esses rapazes não tiveram tempo nem oportunidade para fazer isso.

— E como sabe?

— É uma dedução lógica. Eles estiveram o dia todo à vista dos vigias.

O carcereiro olhou desconfiado para Venâncio, mas sua reação de conformidade demonstrava certo respeito pelo homem.

— De qualquer forma, eles serão interrogados amanhã. Agora, você! — disse o carcereiro apontando para Yuká — Leve isso para a sala médico-legal.

— Eu lhe mostro onde é — disse Venâncio enquanto Yuká pegava o balde. — Venha comigo.

Eles seguiram pelo corredor lateral em silêncio, viraram à direita e chegaram ao pavilhão do setor administrativo da Fortaleza. Venâncio abriu a porta de uma sala como se estivesse habituado a entrar ali. Yuká entrou apressado e depois de colocar o balde sobre um dos balcões da sala, virou-se para Venâncio e o encarou:

— Acho que eu sei quem foram os homens que fizeram isso.

— Não! Não acha não! — afirmou Venâncio categoricamente.

— Mas aconteceu uma coisa...

— Não! Não aconteceu nada. Você não viu nada e não sabe de nada. Agora volte para sua cela e diga aos seus companheiros que também serão interrogados amanhã, que eles não sabem de absolutamente nada.

Yuká engoliu seco e esforçou-se para perguntar:

— Quem é você?

— Eu sou aquele que vai transformá-lo no maior soldado desta Fortaleza.

Agora, ali no seu santuário herbáceo, sem se mover, o soldado esperava pela quietude que inundaria seu peito ao admirar o horizonte, mas ela se ocultava na névoa chuvosa que se interpunha entre ele e o céu. A paz do coração não vinha. Encerrava-se nas páginas do caderno que ele hesitava em abrir. O sentimento da glória por ser aquele que derrotara o inimigo do Senhor Deus dos Exércitos não vinha. Apenas as palavras dos homens da Fortaleza, inspirados pelo próprio Deus, vinham-lhe à mente: “O Senhor Deus está no comando! Morte ao inimigo”! Então foi o Senhor dos Exércitos que comandara o grandalhão careca que com seus olhos negros, frios como contas de obsidiana polida, intimidara os jovens que haviam assistido calados sua proeza daquela madrugada sombria. Que tipo de deus autorizaria uma barbárie como aquela para demonstrar seu poder? Que tipo de deus puniria um jovem inocente que se insurgisse contra tal barbárie decepando-lhe a cabeça?

Eram perguntas que chegavam tarde demais para que ele pudesse ter evitado sua desgraça.

Yuká lembrou-se de ter superado seu desalento seguindo os conselhos de Venâncio Não devia se insurgir contra os homens da fortaleza e não cometer nenhum excesso se quisesse se tornar um bom soldado. Com aquelas palavras, Yuká se deixou levar pelo ideal que tinha então de ser o melhor soldado da fortaleza. Aquele que destruiria o verdadeiro inimigo do Senhor Deus dos Exércitos.

A cada treinamento, Yuká se tornava imbatível na arte da defesa pessoal, sobretudo na técnica de imobilização e desarmamento do agressor. Havia adquirido um controle brutal das emoções abandonando a passionalidade. Seu pensamento era tão friamente calculado quanto seus movimentos.

Yuká sentia dentro de si a força do Senhor Deus Pai mover-se, poderosa, crescente, anuviando seu passado que se perdia silenciosamente no amanhecer de cada dia. A mãe se transformava numa imagem difusa da poesia e representava então o símbolo da fraqueza e da fragilidade na luta contra o inimigo do Senhor Deus Pai de todos.

Meses se passavam nos quais os detentos eram alimentados todos os dias com a palavra vigorosa e estimulante do instrutor que os convencia da importância de lutar contra o inimigo para servir ao Senhor Deus dos Exércitos. Encantava-os a promessa de um amanhã luzidio, paradisíaco em que o inimigo teria sido varrido da face da Terra.

  No primeiro batalhão da fortaleza, a palavra de ordem não era diferente. Yuká agora era um soldado pronto para lutar contra o inimigo obedecendo às ordens do Senhor Deus dos Exércitos. Olhava para os soldados agitados com a próxima missão de combate ao inimigo e os invejava. Venâncio lhe informara que o comando estratégico esgotara as negociações com os Contra Sevandija. Acabara a conversa. O Poeta devia ser destruído.

Ao lado de Venâncio, porém, estremeciam suas convicções já bem endurecidas, de que era necessário ser insensível para se tornar o melhor soldado. Mas Yuká não deixava transparecer que guardava as memórias que ainda lhe traziam enternecimento ao coração. Ao saber que um agrupamento de soldados se preparava para a operação que visava a prisão do Poeta, viu a oportunidade de rever a mãe.

— Estou certo de que estou pronto para a próxima missão — afirmou Yuká.

— Sabe que não pode — disse Venâncio. — Nenhum soldado é mandado para uma missão na região de onde veio.

 Yuká baixou os olhos. Pensamentos conflituosos passaram céleres por sua cabeça. Depois olhou para Venâncio com um brilho faiscante de obstinação.

— Você disse que há meses estão preparando uma emboscada para apanhar o Poeta e livrar aquela gente da sua influência maligna. Acho que tenho o direito de participar da operação e ter a chance de ser o soldado que eliminou o Grande Poeta. Sei que você pode conseguir que me abram uma exceção.

— E por que acha que merece ser uma exceção? 

O rapaz ficou pensativo.

— Pode ser um grande teste para que eu me torne o maior soldado desta Fortaleza.

Venâncio não prometeu nada, mas permitiu que Yuká participasse do treinamento dos soldados para a operação de caça ao Poeta. Na última noite antes da partida da expedição. Yuká recebeu instruções privilegiadas de Venâncio sem que este confirmasse que conseguira a autorização para que Yuká paticipasse da operação. No mapa do vilarejo estava marcado o galpão onde o poeta estaria reunido com os trabalhadores líderes do Grupo Contra Sevandija. Era o galpão alvo a ser atingido.

Durante toda aquela noite, Yuká se agitou angustiado na sua cama pensando que ninguém estaria lá para proteger a sua mãe. Era sem dúvida um ataque surpresa e Yuká sabia perfeitamente que se faltasse precisão, que qualquer falha dos soldados, colocaria em risco a segurança dos moradores.

Na manhã seguinte, para sua surpresa Yuká foi acordado com o impacto de uma roupa jogada sobre ele. 

— Vá agora! — disse-lhe Venâncio jogando-lhe um uniforme especial.

Antes da partida do comboio, Venâncio se aproximou de Yuká entregando-lhe uma granada de alcance.

A viagem parecia se passar numa eternidade lenta e ansiosa. Atento à conversa dos colegas sobre as táticas da ação que, no final das contas, consistia apenas em proteger sua ação, ficou claro que Venâncio havia preparado tudo para que ele fosse o protagonista da operação que eliminaria o maior inimigo do Senhor Deus dos Exércitos.  Era provável que Yuká não tivesse a chance de ver a mãe, ainda que fosse de longe, pois sabia que a honradez da mulher, ou sua fraqueza, jamais permitiria que ela se misturasse com aquela gente.

Eram quase sete da noite quando o comboio parou a mais ou menos duzentos metros do barracão. Yuká saltou apressado e correu por uns cinquenta metros para atirar a granada que atingiu o alvo com precisão.

O barracão foi pelos ares.

Yuká se afastava do local quando ouviu uma voz que soou ao longe na rua atrás dele onde começava a vila dos trabalhadores. Voltando, Yuká viu de longe a mulher que corria na sua direção e ficou paralisado pensando conhecer aquele rosto. À certa distância a mulher parou e começou a gritar:

— Maldito! Maldito!

Ele a reconheceu. Era uma das vizinhas de sua casa.

Ignorando o apelo dos soldados para que ele retornasse ao comboio imediatamente, Yuká foi-se aproximando da mulher e disse com a voz firme, mas terna, quase suave.

— Acabou. Agora estão livres do Poeta. Ele não poderá mais lhes fazer mal.

A mulher o olhou com tristeza e disse:

— Hoje era dia de poema! O Poeta não estava lá.

Com os olhos arregalados, o bater ligeiro do coração, num impulso incontrolável, Yuká se dirigiu para o barracão que era então um amontoado de madeira fumegante. Começou movendo os destroços constatando que havia muitos corpos sob eles. A maioria de mulheres e crianças. Continuou sem saber o que procurava até ver a ponta de um caderno sob um corpo conhecido. Virou o corpo e viu seu rosto. Estava intacto. Não imaginou que veria a mãe tão de perto. Nunca havia pensado na singularidade daquele rosto. Único no mundo. Um rosto que jamais houvera outro igual e jamais haveria. Num gesto lento, mas decidido, como se retirasse o manto da frieza que a vontade do Senhor dos Exércitos colocara sobre seu coração, Yuká apanhou seu caderno de poemas e o apertou contra o peito. Aquele caderno era um pedaço dele que a mãe carregava com ela. Naquele instante, tudo aquilo que o havia edificado, a essência do que ele era, foi trazida à tona pelo desespero. Ele era o menino que trazia intacta a pureza da vida no seu coração e a beleza da poesia na paisagem de sua terra.

Urrou! Urrou fortemente, pálido de fúria. Ergueu-se, fez um gesto rápido com o punho fechado e proferiu todas as maldições que havia conhecido na fortaleza, não contra o inimigo oculto, mas contra ele mesmo. Ele que deixara de ser um escravo da poesia para cumprir cegamente às ordens do Senhor Deus dos Exércitos que nunca lhe ensinara nada sobre beleza e respeito à vida.

Saiu do local em disparada apertando o caderno contra o peito e seguiu em direção ao seu santuário herbáceo. Havia de encontrar lá a vida e nessa vida, os amores perdidos.

Durante algum tempo, a mulher que o havia seguido ficou a espreitá-lo de longe parecendo somente querer recuperar o fôlego, pois já não demonstrava esperança de conseguir a quietude da alma.

Os pássaros voltaram a cantar depois que a chuva cessou encorajando a mulher a falar. Ela tinha a voz firme e fez o soldado estremecer ao dizer o nome dele:

— Yuká! Você não sabia o que estava fazendo?

Ele enfim olhou para ela e balbuciou confusamente:

— Eu... Nós... Nós pegamos o Poeta, não foi? Diga que pegamos o Poeta...

— Nenhum soldado do Exército Regional jamais veio aqui para pegar o Poeta. Vinham atrás dos contra Sevandija. Da última vez que estiveram aqui mataram dezenas de trabalhadores do grupo numa emboscada na estrada.

— Minha mãe... — murmurou Yuká.

— Sua mãe era uma das lideranças do grupo. Era uma espécie de educadora. Toda noite ela reunia as mulheres trabalhadoras e seus filhos para falar de política, literatura e arte. Era ela quem os soldados queriam eliminar e foi você quem cumpriu essa missão...

A voz da mulher foi interrompida por um estampido. Ela mal acabara de pronunciar as palavras, caiu violentamente ao lado de Yuká.

Yuká avistou então dois guardas regionais parados poucos metros atrás deles, mas ficou indiferente. Um deles apontava-lhe uma arma. Logo o outro se aproximou perguntando:

— Qual seu número de identificação, soldado?

Então, o soldado respondeu de cabeça erguida:

— Meu nome é Yuká.

Em seguida, Yuká foi desacordado com uma forte pancada na cabeça. Acordou num carro em movimento, a caminho da Fortaleza. Lá chegando foi conduzido à enfermaria e recebeu medicamento. Em seguida levaram-no para uma cela especial onde dormiu profundamente.

Mal abriu os olhos e viu um soldado que dizia algo quase inaudível.

Atordoado, Yuká perguntou quem lhe falava. O soldado respondeu que era um amigo. Queria ouvir sobre o que se passara com ele entregando-lhe uma bandeja com o café da manhã.

— O que aconteceu? O que aconteceu... Como se chama?

— Yuká.

— Estranho nome. Sabe o que quer dizer?

— Aquele que deve ser morto.

Sim! Era ele que deveria ter morrido antes de entregar a um deus perverso a vida que a mãe lhe dera.

Yuká acabava de narrar sua história quando dois carcereiros o fizeram levantar conduzindo-o para a sala de interrogatório.

Yuká sentou-se numa cadeira ao lado da qual se posicionou de pé o soldado amigo, então armado.

Venâncio entrou na sala acompanhado pelo comandante do segundo batalhão da fortaleza. Os dois homens pararam poucos passos da entrada da sala, na frente de Yuká que fixou-se por um longo instante em Venâncio. Olhou então para o comandante quando este falou:

— Então esse verme matou a própria mãe!

Venâncio tratou de justificar.

— Ele estava ciente de que não podia participar da missão, senhor. Descumpriu o regulamento da Fortaleza.

— O que tem a dizer? — perguntou o comandante a Yuká.

— Que sou o melhor soldado desta fortaleza.

Yuká ergueu-se bruscamente e num golpe certeiro, imobilizou o soldado ao seu lado e, alcançando o gatilho de sua arma, disparou contra Venâncio que foi incapaz de reagir tomado de uma perplexidade paralisante. Rapidamente Yuká dirigiu o alvo para o comandante, já na porta para fugir e atirou acertando-lhe a nuca.

Em seguida, Yuká tomou a arma para si, encostou o cano sob o próprio queixo e puxou o gatilho.

 

                                                FIM

 

 

 

 

dezembro 11, 2022

RUÍNAS DO SONHO de Silvia Reis

Audiolivro - Narração: Carlos Eduardo Valente.

 

 
 
Este conto faz parte do livro Ruínas do Sonho de Silvia Reis.
 
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agosto 06, 2020

O Farfalhar do Diabo

 Audiolivro -  Narração Marcelo Fávaro.

 
 
Esse conto faz parte do Livro O Farfalhar do Diabo e Outros Contos

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